Postos de combustíveis que deixaram de ser bandeirados por grandes distribuidoras estão enfrentando uma nova onda de ações judiciais.

 

As empresas alegam uso indevido de identidade visual — o chamado trade dress —, mesmo quando os postos deixam de ostentar logotipos e passam a operar de forma independente. A principal reclamação: o uso de cores que, supostamente, remeteriam à marca original.

No centro dessa disputa está a interpretação da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996), que impõe limites claros à proteção de elementos visuais como cores. O artigo 124, inciso VIII, da norma é direto:

“Art. 124. Não são registráveis como marca: (…) VIII – cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo.”

Ou seja, cores genéricas ou isoladas não podem ser monopolizadas por nenhuma empresa, salvo quando aplicadas de maneira original e inconfundível — o que precisa ser demonstrado com clareza.

O tema chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tratou da questão no âmbito da comercialização de cervejas. A corte afastou condenação por suposto uso indevido de cor vermelha em latas, reforçando que esse tipo de sinal não é, por si só, registrável como marca. Veja a ementa: “Processo Civil. Recurso Especial. Propriedade Industrial. Marca. Comercialização de cerveja. lata com cor vermelha. Art. 124, VIII, da lei n. 9.279/1996 (LPI). Sinais não registráveis como marca. Prática de atos tipificados no art. 195, III e IV, da LPI. concorrência desleal. descaracterização. ofensa ao direito de marca. não ocorrência. condenação indenizatória. afastamento. recurso conhecido e provido.

“(…) A simples cor da lata de cerveja não permite nenhuma relação com a distinção do produto nem designa isoladamente suas características – natureza, época de produção, sabor, etc. -, de modo que não enseja a confusão entre as marcas, sobretudo quando suficiente o seu principal e notório elemento distintivo, a denominação. (…) Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – REsp: 1376264/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 09/12/2014)

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Outro ponto que fragiliza as ações das distribuidoras é a homogeneidade dos combustíveis vendidos no Brasil, desde que estejam dentro das especificações técnicas da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Isso significa que o combustível fornecido pela Vibra, Raízen, Ipiranga, Rodoil, Pontual, Potencial, Ciapetro, Alesat por exemplo, não difere do entregue por outras distribuidoras concorrentes, a não ser os produtos aditivados. Essa informação foi reforçada na Nota Técnica Conjunta nº 25/2019, assinada pela SENACON/MJ e ANP: “(…) não há diferenciação de produtos, em função da marca, para combustíveis não aditivados (óleo diesel B, gasolina C e etanol hidratado combustível). Se estiverem dentro das especificações da ANP, não há qualquer diferença para o uso do consumidor. Esse ponto é importante, pois indica ao consumidor que não existe razão para diferenças significativas de preço na comercialização desses produtos em função da marca.”

Além do mais, a concorrência no setor se faz pelo  por preço, e não por imagem. Na mesma linha, o CADE, órgão que regula a concorrência no Brasil, também já se posicionou: “A concorrência na revenda de combustíveis se dá essencialmente via disputa de preços praticados, reduzindo a importância da marca no cenário concorrencial.” (Procedimento Administrativo nº 08012.011042/2005-61 – Relator: Conselheiro Márcio de Oliveira Júnior).

Esses posicionamentos enfraquecem a tese de que um posto desbandeirado manteria vantagem competitiva apenas por conservar cores na fachada — ainda que não utilize a disposição visual idêntica à antiga marca.

Na prática, os postos que encerram o contrato com a distribuidora costumam retirar o logotipo da marca, alterar o layout e mudar elementos visuais, operando como bandeira branca. Ainda assim, muitas vezes permanecem com as cores semelhantes.  É ilógico presumir que o revendedor tenha interesse em manter qualquer associação com a marca anterior, especialmente porque o combustível é padronizado e a estratégia de venda hoje se baseia essencialmente no preço ao consumidor final.

Por fim, mesmo quando há alegações de que o posto estaria copiando o trade dress (conjunto-imagem) da antiga marca, o STJ entende que não basta alegar — é necessária prova técnica pericial para comprovar a violação. Confira: “Para a caracterização da violação do trade dress, o STJ tem entendido ser imprescindível a produção de prova técnica: ‘é necessária a produção de prova técnica para se concluir pela existência de concorrência desleal decorrente da utilização indevida do conjunto-imagem (trade dress) de produto’ (REsp 1.778.910/SP).”

Com base na legislação, na jurisprudência consolidada e nas manifestações técnicas da ANP, SENACON e CADE, não há impedimento legal para que postos independentes utilizem cores semelhantes às das antigas bandeiras, desde que não reproduzam fielmente a disposição visual “trade dress” e logotipo das distribuidoras que possam confundir o consumidor. Por cautela, no entanto, advogados do setor recomendam que os revendedores alterem ao menos uma das cores da pintura anterior, para reduzir riscos de ações judiciais infundadas. Uma medida preventiva, para evitar eventual ação judicial por parte da distribuidora que possa vir reclamar do uso indevido de sua imagem.

ANTONIO FIDELIS-OAB-PR-19759


AUTOR

ANTONIO FIDELIS 

Advogado atuante em todo o território brasileiro e sócio-proprietário no escritório Fidelis & Faustino Advogados Associados. Especializado em Direito Empresarial, notadamente nas áreas de estruturação de holdings, falências e recuperação judicial e contratos; Direito Bancário; Direito Administrativo (CADE – ANP – PROCON – IBAMA); Direito Civil, especialmente nas áreas de contratos, revisionais e renovatórias. Especializado em postos revendedores de combustíveis. É colunista do Blog do Portal e Academia Brasil Postos.

Foi Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil e Professor. Trabalhou por 15 anos no setor de distribuição de combustíveis, atendendo postos revendedores e grandes indústrias. Desde o ano 2000 presta serviços advocatícios para os postos revendedores filiados ao Sindicato dos Postos Revendedores do Paraná (Paranapetro).


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