É comum que distribuidoras estabeleçam em contratos de compra e venda de combustíveis uma galonagem mínima que os postos devem adquirir em determinado período, geralmente durante contratos de exclusividade que variam de 05 a 10 anos.

No entanto, muitas vezes, ao longo do contrato, os postos percebem que não conseguirão alcançar o volume estipulado.

Isso os coloca em um dilema, já que não podem adquirir mais combustível do que o mercado local demanda. E, ao término do contrato, podem enfrentar multas milionárias por não terem atingido a meta estabelecida.

Nesse contexto, a única saída para os postos é buscar a revisão do contrato através de uma ação judicial. A ideia é ajustar o volume contratual à capacidade real de vendas do posto, evitando assim penalidades financeiras ao final do contrato.

Os tribunais têm sido receptivos a esse tipo de revisão contratual, fundamentando-se na legislação antitruste e no Código Civil. Isso porque os negócios jurídicos devem ser interpretados de acordo com os princípios da boa-fé, e os contratantes têm a obrigação de agir com probidade tanto na celebração quanto na execução do contrato. Além disso, em contratos de adesão, cláusulas ambíguas ou contraditórias devem ser interpretadas em favor do aderente, ou seja, do posto revendedor.

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Dentro deste cenário, o TJMT em novembro de 2022 decidiu pela revisão do contrato com base na Lei Antitruste: “É possível a revisão do contrato no que diz respeito a quantidade de galonagem adquirida por produto, haja vista que a quantidade mínima coloca a autora em situação de desvantagem, que constituí infração de ordem econômica, prevista no
artigo 36, parágrafo 3º, inciso IX da Lei nº. 12.529/2011 (Ap. 0011228-41.2015.8.11.0041MT). Na mesma linha foi como decidiu o STJ, embora por aplicação de norma jurídica diversa do que decidiu o TJMT no acórdão anterior, onde manteve na íntegra o emblemático acórdão do TJSP, considerando nula a cláusula de litragem mínima por aplicação dos artigos 113, 422 e 423 do Código Civil, dando por findo pelo prazo final, vide trechos extraídos do corpo do acórdão:

 

Ora, pelo que dos autos consta, desde o início do contrato a autora (posto) jamais cumpriu com a aquisição das quantidades mínimas ali estabelecidas, o que, por certo implicava em reconhecer que a estimativa de venda estava equivocada, extremamente elevada para a capacidade de sua comercialização no varejo. Importa saber, sob este aspecto da boa-fé objetiva, se a estimativa de aquisição mínima prevista no contrato resultou de opção feita pela autora (posto), após detida análise mercadológica, ou de sugestão ou imposição da ré (distribuidora)? A resposta a esta indagação se encontra na segunda hipótese. Foi a ré (distribuidora) que, ante a sua reconhecida pujança e estrutura comercial estipulou as quantidades mínimas, impondo-a à autora, sem a esta apresentar qualquer estudo de viabilidade. A ré não propiciou à autora a análise das quantidades de venda estimadas, levando-a a crer que seria possível o cumprimento do pactuado no
contrato, o que, como acima mencionado, jamais ocorreu. Ora, se ab initio a ré, pelos seus extratos de venda, já havia constatado que a autora não adquiria as quantidades mínimas previstas, sob a ótica da boa-fé objetiva, tinha o dever de refazer a sua estimativa de venda, revendo-a para menor.

Em momento algum a ré demonstrou como obteve os valores quantitativos constantes do contrato e a viabilidade de seu cumprimento, considerando-se as várias nuances mercadológicas, em especial o número de possíveis consumidores, a frota de veículos da localidade, o número de concorrentes, a localização do ponto comercial da autora, suas instalações e o valor final de seu produto. Ao que transparece pelas provas dos autos, a ré valeu-se de quantitativos aleatórios, sem qualquer análise científica, levando em
erro os representantes legais da autora a assumirem compromisso que jamais seria cumprido, por conseguinte inexequíveis, posto que ausente a boa-fé na elaboração do contrato, incapaz de materializar o equilíbrio ou a justiça contratual. O risco do inadimplemento era exclusivo da autora. É evidente o abuso do poder econômico na imposição de quantidades mínimas, com a aniquilação do parceiro comercial através da cobrança de multa contratual compensatória abusiva ou a prorrogação compulsória do contrato, até que as quantidades mínimas fossem atingidas. Resulta disto que
se reconhece estar o contrato vencido, sem prazo de vigência, pelo que pertinente a pretensão da autora em dá-lo por rescindido, após regular notificação, sem o pagamento de qualquer multa, em especial aquela a que alude a cláusula 8.2. O princípio supralegal de validade dos contratos, consistente na boa-fé objetiva é questão que prevalece sobre o da pacta sunt servanda e deve ser analisado atentando-se aos fatos que o permearam. (entre parêntese nosso). Com isso o STJ manteve na íntegra o emblemático acórdão do TJSP no Agravo de Instrumento nº 2217030-98.2021.8.26.0000.

AUTOR

ANTONIO FIDELIS 

Advogado atuante em todo o território brasileiro e sócio-proprietário no escritório Fidelis & Faustino Advogados Associados. Especializado em Direito Empresarial, notadamente nas áreas de estruturação de holdings, falências e recuperação judicial e contratos; Direito Bancário; Direito Administrativo (CADE – ANP – PROCON – IBAMA); Direito Civil, especialmente nas áreas de contratos, revisionais e renovatórias. Especializado em postos revendedores de combustíveis. É colunista do Blog do Portal e Academia Brasil Postos.

Foi Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil e Professor. Trabalhou por 15 anos no setor de distribuição de combustíveis, atendendo postos revendedores e grandes indústrias. Desde o ano 2000 presta serviços advocatícios para os postos revendedores filiados ao Sindicato dos Postos Revendedores do Paraná (Paranapetro).


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