Três Tribunais de Justiça já condenaram distribuidoras por práticas discriminatórias de preços, resultando em restituições dos valores cobrados a maior ou pagamento de multas contratuais pela aplicação da Lei Antitruste e com base nos princípios contratuais de boa-fé e função social do contrato e da empresa, em defesa do equilíbrio nas relações comerciais do setor.

É fundamental observar que, embora os preços sejam livres, essa liberdade se revela meramente aparente nos contratos de exclusividade firmados entre distribuidoras e postos revendedores. Isso porque, em regra, após a assinatura do contrato, o posto passa a realizar suas compras exclusivamente por meio do portal da distribuidora, acessado com login e senha fornecidos por ela.

 

A cláusula central do contrato prevê que os preços aplicáveis serão os “vigentes”, “correntes” ou “habitualmente praticados” na data da compra e no local da entrega. No entanto, essas três palavras-chave se tornam o trunfo para elidir o contrato, pois os preços “vigentes”, “correntes” ou “habitualmente praticados” não são divulgados publicamente nem informados previamente ao revendedor exclusivo. Na prática, apenas a distribuidora conhece esses preços, e os postos não vinculados por contrato de exclusividade só efetuam compras quando o preço ofertado está alinhado ao preço de mercado.

Na prática, isso significa que, em tese, não existe liberdade de preços em contratos com cláusula de exclusividade, pois, em regra, é a distribuidora contratante quem define unilateralmente o preço, fixando ao revendedor o valor que lhe for conveniente, sem qualquer parâmetro externo verificável, o que compromete a transparência, o equilíbrio contratual e a boa-fé objetiva, em afronta aos artigos 421, 422, 424 e 489 do Código Civil.

Essa prática deletéria compromete o equilíbrio contratual e instaura uma relação de dependência e vulnerabilidade comercial, incompatível com os princípios de justiça e transparência que devem nortear as relações empresariais. Para ilustrar a situação, vê-se que uma diferença de apenas R$ 0,05 por litro, em um posto que comercializa 300 mil litros por mês, representa um impacto de R$ 15.000,00 mensais nos resultados do posto — valor que, muitas vezes, supera o próprio lucro líquido mensal do estabelecimento.

Atento a estas questões, três decisões dos Tribunais de Justiça de Pernambuco, do Paraná e do Distrito Federal evidenciam a dinâmica jurídica em torno dessa séria questão sobre os abusos contratuais enfrentados pelos postos revendedores:

  1. O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), no julgamento da Apelação Cível nº 0001172-21.2018.8.17.3130, condenou a distribuidora a restituir ao posto a quantia de R$ 2.160.000,00, valor correspondente à diferença dos preços cobrados a maior durante a vigência do contrato. A decisão fundamentou-se no art. 36, §3º, X, da Lei Antitruste, interpretado em conjunto com os artigos 421 a 424 do Código Civil, reconhecendo que a diferenciação injustificada de preços configura abuso de posição contratual. O relator do caso foi o Desembargador Alberto Nogueira Virgínio, com julgamento ocorrido em 28/08/2024, questão pendente de recurso para o STJ.

  2. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), ao julgar a Apelação Cível nº 0085225-64.2023.8.16.0000, declarou a rescisão do contrato de fornecimento, condenando a distribuidora ao pagamento de multa compensatória ao posto contratado por ter sido discriminado entre R$ 0,01 a R$ 0,0024 por litro em relação aos praticados, no mesmo dia, a outros postos similares da cidade. A decisão enfatizou que a diferença de apenas R$ 0,01 por litro não afasta o dever de indenizar, diante da baixa margem líquida de lucratividade do setor. A discriminação representa uma diferença de R$ 3.000,00 por mês em um posto que vende 300 mil litros. O processo encontra-se em fase de liquidação, com três possíveis valores de multa que a distribuidora deverá pagar ao posto: (i) R$ 679.314,48; (ii) R$ 1.408.774,77; (iii) R$ 3.339.826,64. Caberá ao juízo de 1º grau homologar o valor final com base nos parâmetros legais e na prova técnica.

  3. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), no julgamento do processo nº 20170110274377APC, também reconheceu conduta discriminatória por parte da distribuidora, determinando a restituição integral dos valores cobrados a maior em relação aos praticados com outra rede concorrente. No caso, a distribuidora alegou que a rede concorrente adquiria volumes superiores, por isso entendia que poderia cobrar preço diferenciado. A decisão deixou claro que a concessão de benefícios a uma rede concorrente, sem estendê-los proporcionalmente aos demais parceiros comerciais, constitui afronta aos princípios constitucionais e legais da atividade empresarial, não podendo o posto menor ser discriminado, conforme artigo 170, IX da Constituição Federal, que obriga o Estado a dar tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Os três emblemáticos acórdãos aqui mencionados reforçam que a prática de discriminação/diferenciação de preços entre postos com contrato de exclusividade, por menor que seja o valor da diferenciação, constitui prática anticoncorrencial. O reconhecimento da abusividade e da quebra de equilíbrio contratual vem se tornando cada vez mais comum, especialmente diante de provas técnicas que evidenciem a discrepância nos preços cobrados do posto contratado por exclusividade em relação aos seus concorrentes.

Antonio Fidelis é advogado, sócio do escritório Fidelis & Faustino Advogados Associados de Londrina, especializado em contratos empresariais, especialmente no setor de combustíveis, autor do livro “Os Conflitos entre Postos de Gasolina com as Distribuidoras” (Editora Juruá), disponível na Biblioteca Digital do STJ (BDJur) e na Amazon.

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AUTOR

ANTONIO FIDELIS 

Advogado atuante em todo o território brasileiro e sócio-proprietário no escritório Fidelis & Faustino Advogados Associados. Especializado em Direito Empresarial, notadamente nas áreas de estruturação de holdings, falências e recuperação judicial e contratos; Direito Bancário; Direito Administrativo (CADE – ANP – PROCON – IBAMA); Direito Civil, especialmente nas áreas de contratos, revisionais e renovatórias. Especializado em postos revendedores de combustíveis. É colunista do Blog do Portal e Academia Brasil Postos.

Foi Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil e Professor. Trabalhou por 15 anos no setor de distribuição de combustíveis, atendendo postos revendedores e grandes indústrias. Desde o ano 2000 presta serviços advocatícios para os postos revendedores filiados ao Sindicato dos Postos Revendedores do Paraná (Paranapetro).


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Advogado com atuação em direito contratual, com enfoque em contratos envolvendo Postos de Combustíveis, sendo que, no contencioso, atua, sobretudo, em Renovatórias, Revisionais; Despejo; Retomada e Rescisões contratuais.

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