País viveu longo período de mercado fechado com tabelamento de preços, cuja memória ainda não foi superada

A organização do setor de petróleo e derivados no Brasil teve origem na criação do Conselho Nacional do Petróleo (CNP) em 1938. Poucos meses depois, o Decreto-Lei 538/38 definiu no seu artigo 10º que incumbia ao Conselho estabelecer “os limites, máximo e mínimo, dos preços de venda dos produtos refinados — importados em estado final ou elaborados no país”.

Nascia ali uma longa história de preços regulados para os derivados comercializados no Brasil. Nas décadas seguintes, sucessivas leis repetiam e referendavam o controle de preços por parte do CNP.

O artigo 17 da Lei 2.975/56 determinava que “[…] o Conselho Nacional do Petróleo fixará os preços de venda dos derivados do petróleo, para o revendedor atacadista, bem como para o varejista distribuidor nas diversas bases de provimento do território nacional, para períodos e em relação aos derivados que o Poder Executivo julgar conveniente tabelar.”

Menos de uma década depois, o artigo 13º da Lei 4.452/64 definia que “O Conselho Nacional de Petróleo fixará os preços de venda ao consumidor dos derivados do petróleo tabelados […].

Na prática, o regulador compunha o tabelamento dos preços a partir das estimativas de custos e definição de margens junto aos agentes. O preço de cada elo da cadeia era assim definido e mantido por algum período.

Quando os custos aumentavam, os participes do setor pressionavam o governo para que houvesse reajuste. Como o ajustamento poderia demorar para sair, era natural que os custos fossem inflados nas planilhas apresentadas ao Executivo, como forma de ganhar “fôlego” ou margem sobre o controle de preços.

É um modelo que não prezava pela eficiência ou concorrência, por sua natureza.

A criação da Petrobras

Quando a Petrobras foi criada em 1953, recebeu a concessão exclusiva das atividades de exploração, lavra, refino e, anos mais tarde, importação de petróleo, gás e derivados.

A Petrobras sempre foi um concessionário desses serviços, o monopólio e a regulação mantiveram-se desde sempre com a União. Ficaram de fora da concessão atribuída à estatal a distribuição e a revenda de derivados.

Esso, Shell, Texaco, Atlantic e Ipiranga já dominavam esses mercados quando a estatal foi criada e os legisladores optaram por mantê-los com a iniciativa privada. Por óbvio, com alguma pressão por parte das próprias empresas.

Até 1997, o custeio das atividades operacionais e investimentos da Petrobras vieram de impostos cobrados sobre os combustíveis, bem como do lucro das suas atividades. Durante as décadas de mercado fechado, a estatal operou fazendo o “acerto de contas” do setor, sob a tutela do regulador.

 

Subsídios

A prática de subsídios cruzados foi parte integrante do mercado brasileiro de derivados por mais de cinquenta anos. O consumidor de um derivado pagava pelo subsídio de outro, bem como custeava o rateio do frete.

Assim, para que os preços fossem uniformes em qualquer local do país, para custear parte da nafta ou GLP consumidos e para fomentar o uso do etanol, a gasolina e o diesel, por exemplo, tinham preços de realização mais altos na saída da refinaria. Através de rubricas específicas criadas pelo governo e incluídas na precificação dos derivados.

A Petrobras atuava como intermediária de todas as transferências, recolhia dos consumidores as rubricas específicas embutidas no preço e ressarcia os distribuidores pela diferença do frete, repassava valores de incentivos aos produtores de biocombustíveis e ainda lidava com as diferenças de preços do petróleo e derivados importados comercializados internamente.

As contas com frequência não fechavam, gerando débitos volumosos do regulador com a estatal. Esse débito ficou especialmente conhecido como “conta petróleo”.

Ao final de década de 1980, a conta petróleo registrava dívida bilionária do Governo Federal com a Petrobras. O Estado brasileiro estava em situação de elevado déficit público, declarando inclusive moratória em 1987, e a estatal passava por dificuldades para manter seus investimentos.

Neste contexto, a abertura de mercado e o fim dos subsídios passaram a ser estruturados.

A abertura

A promulgação da Lei 9.478/97, conhecida como “Lei do Petróleo” foi um marco relevante na indústria de O&G brasileira. É o evento basilar da abertura de mercado do setor.

A referida lei terminou com a exclusividade que a Petrobras detinha nos segmentos que foram a ela concedidos em 1953, abrindo a possibilidade para que outras empresas pudessem atuar na exploração, produção, refino e importação de derivados (no E&P houve uma tentativa de abertura parcial na década de 1970, com os contratos de risco para explorar o offshore no país, mas com efeito limitado). O monopólio da União seguiu mantido na figura da ANP (Agência Nacional do Petróleo), que herdou do CNP as funções de órgão concedente.

A Petrobras assumiu um novo papel à luz da regulação vigente, passando a disputar espaço com outras empresas, concorrendo nos leilões de concessão (e mais tarde nos de partilha), além de ter que buscar formas de se financiar. A empresa foi à bolsa e aos bancos buscar recursos privados para executar suas atividades e investimentos. As diferenças estruturais entre o que se tinha antes e depois da “Lei do Petróleo” podem ser observadas no quadro 1.

Comparação do mercado brasileiro de O&G antes e depois de 1997
Comparação do mercado brasileiro de O&G antes e depois de 1997 (Fonte: elaboração própria)

A transição

Sair de um modelo de preços controlados, que continham diversos subsídios cruzados, gerenciados basicamente pela Petrobras por longa data exigiu um período de ajuste. Foram necessários quase cinco anos de adaptações regulatórias, tributárias e de preparo dos players que compunham os elos do poço ao posto. De 1997 até o fim de 2001, os preços seguiram parametrização definida pela ANP, buscando paridade com o mercado internacional e com o câmbio.

Uma rubrica especial, denominada Parcela de Preço Específica (PPE), vigorou neste período e foi responsável por quitar as dívidas da União com a Petrobras, como forma de zerar a “conta petróleo”. Foi somente em 2002, após sessenta e quatro anos de controle pelo Estado, que houve liberdade para que os preços pudessem flutuar à realidade de mercado.

Os 20 anos depois

Em janeiro de 2022, completou-se vinte anos de mercado aberto e preços livres. Para além da Petrobras, o segmento de combustíveis passou a dispor de centenas de empresas competindo entre si, são produtores de etanol, refinadores privados, centrais petroquímicas, formuladores, produtores de biodiesel e importadores.

A Petrobras, embora muito relevante, passou a ser um agente entre tantos outros. A memória implícita volta e meia acredita que a estatal ainda é o eixo da precificação dos derivados no país. Ela não é mais. Os preços são livres em todos os seus elos.

Viveu-se no Brasil um longo período de mercado fechado com tabelamento de preços, cuja memória ainda não foi superada. E em mercado aberto e de preços livres, a Petrobras precisa se portar à paridade de mercado, para que ele possa funcionar, para que ele não seja anacrônico.

O mercado de combustíveis ficou mais dinâmico e complexo, com múltiplos agentes garantindo o abastecimento do país, atuando na produção, importação e exportação. A liberdade de preços é mola mestra da competição equilibrada entre os diferentes energéticos e entre as empresas, é propulsora dos investimentos, da racionalidade, da eficiência e da competência econômica.

O Brasil está há vinte anos se adaptando a uma nova realidade. A caminhada segue. Avante!


Referências 

Brasil. Lei 4452/64. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4452.htm>. Acessado em março de 2022.

Brasil. Lei 2975/56. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l2975.htm>. Acessado em março de 2022.

Fonte – EPBR

Escrito por Marcelo Gauto – Químico industrial e especialista em petróleo e gás.

 

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