O Ministério da Justiça divulgou a Nota Técnica 25/2019 na qual se posiciona favorável ao fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira.

Pela conclusão exposta no documento, essa medida “tem a potencialidade de aprimorar as relações comerciais entre distribuidores e revendedores de combustíveis, com impactos prováveis no aprimoramento da gestão dos contratos firmados entre eles e surgimento de incentivos à busca por eficiência econômica e por maior concorrência no setor.”

O órgão vai além e finaliza que com essa ação e ressalvas “não se vislumbra qualquer prejuízo aos interesses do consumidor”, levando em consideração “que o aumento da concorrência pode estimular preços mais baixos sem prejuízo à qualidade do combustível, que permanecerá fiscalizada pela ANP”.

Abaixo destacamos alguns pontos do parecer :

a. FIM DA TUTELA REGULATÓRIO DA FIDELIDADE À BANDEIRA : O fim da tutela regulatória de fidelidade à bandeira, portanto, significaria retirar a obrigação de fiscalização da ANP, deixando-a sob responsabilidade das empresas distribuidoras detentoras das marcas.

Na prática isso não muda nada referente aos contratos vigentes entre os postos e as distribuidoras apenas DESOBRIGA a ANP a fazer a fiscalização.

A discussão trata, portanto, apenas de eliminar a fiscalização da ANP em relação à fidelidade à marca, uma interferência da agência reguladora em relações que poderiam acontecer no âmbito dos agentes privados.

A tutela regulatória da fidelidade à bandeira carrega consigo a jus ficava de proteção do consumidor contra a comercialização de combustível de origem desconhecida por revendas que utilizem as marcas de penetração nacional, além de outras razões ligadas a confiabilidade da marca e da procedência do produto.

Entretanto, como já mencionado, a diferenciação entre postos bandeirados e postos bandeira branca (que não ostentam marcas de distribuidores) não se refere, de forma alguma, à qualidade dos produtos negociados. No Brasil, não há diferença quanto à qualidade do produto, no caso de combustíveis sem adivos (óleo diesel B, gasolina C e etanol hidratado combustível), devendo os postos bandeira branca e bandeirados seguirem a especificação estabelecida pela ANP.

Segundo análise da ANP, por meio do Programa de Monitoramento de Qualidade de Combustíveis Automotivos (PMQC), os índices de conformidade para postos bandeirados e postos bandeira branca é similar (96,8% para os postos bandeira branca, 98,2% para os bandeirados), estando os índices dos dois grupos dentro de padrões internacionais de qualidade.

FIM DOS CONTRATOS FIRMADOS – Vale dizer que o fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira não significa o fim dos contratos firmados entre distribuidores e revendedores de combustíveis que estipulam a exclusividade no fornecimento, mas simplesmente o fim da fiscalização de tais contratos pela agência reguladora do setor.

Assim, os contratos de bandeiramento em vigor, que em sua maioria estipulam exclusividade no fornecimento de combustível, por uma distribuidora, aos postos que ostentam sua marca, não serão alterados. Caberá, entretanto, às distribuidoras a responsabilidade pela gestão de tais contratos.

LEIA A SEGUIR A ÍNTEGRA DO PARECER

Nota Técnica n.º 25/2019/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ
PROCESSO Nº 08012.000395/2019-31
INTERESSADO: Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombusveis (ANP)

1. RELATÓRIO

1.1. Em 23 de maio de de 2019, foi assinado o Acordo de Cooperação Técnica entre a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que tem por objeto a cooperação técnica entre a ANP e a SENACON, com vistas a promover ações conjuntas sobre assuntos de interesse recíproco, notadamente em relação ao aperfeiçoamento da prestação dos serviços de fornecimento de combustíveis líquidos, GLP e derivados de petróleo, gás natural e biocombustíveis aos consumidores, ao intercâmbio de informações para aprimorar o desempenho da atividade regulatória e fiscalizatória dos setores de combusteis líquidos, GLP e gás natural, e à elevação da qualidade dos padrões de atendimento aos consumidores promovido pelos
partícipes.

1.2. No plano de trabalho que integra o acordo mencionado, mais precisamente na Ação nº 6 (“Análise das Tomadas Públicas de Contribuições promovidas pela ANP, das propostas do CADE, da Sefel e dos projetos legislativos para dinamizar a concorrência no setor de abastecimento de combustíveis líquidos”), existe a previsão de realização de análise sobre a questão da tutela regulatória da fidelidade à bandeira, considerando os aspectos concorrenciais para promoção da competição e à defesa do consumidor com base na TPC n° 4/2018.

1.3. Sobre o tema foram produzidas pela ANP duas notas técnicas, juntadas aos autos: a Nota Técnica do GT Portaria nº 357/2018 nº 001/2019 (SEI 8889960) e a Nota Técnica nº 018/2019-SDR (SEI 8889991). Ambas foram utilizadas como subsídios para a elaboração da presente nota técnica, que se destina justamente a realizar a análise sobre a questão da tutela regulatória da fidelidade à bandeira, considerando os aspectos concorrenciais para promoção da competição e à defesa do consumidor com base na TPC n° 4/2018, sob a perspectiva da SENACON.

1.4. Assim, a presente nota técnica marca o início da execução do acordo firmado entre a
SENACON e a ANP, ao entregar o relatório inicial referente à atividade 6.2.

1.5. É o relatório.

2. CONTEXTUALIZAÇÃO

2.1. A Resolução ANP nº 41/2013 prevê que o posto revendedor de combustíveis tem a opção de se cadastrar junto à Agência de duas formas: sem vinculação a qualquer marca de distribuidora (são os postos usualmente denominados de “bandeira branca”) ou vinculado a determinada marca específica de uma distribuidora (postos denominados “bandeirados”). Dependendo da opção efetuada pelo posto revendedor, surgem diferentes conjuntos de obrigações para a explícita identificação do combustível comercializado:

RESOLUÇÃO ANP Nº 41, DE 5.11.2013 – DOU 6.11.2013
(…) Da Identificação da Origem do Combustível Automotivo

Art. 25. O revendedor varejista de combustíveis automotivos deverá informar ao
consumidor, de forma clara e ostensiva, a origem do combustível automotivo
comercializado.

(…) § 2º Caso no endereço eletrônico da ANP conste que o revendedor optou por exibir a
marca comercial de um distribuidor de combustíveis líquidos, o revendedor varejista
deverá:

I – exibir a marca comercial do distribuidor, no mínimo, na testeira e no totem do posto
revendedor, de forma destacada, visível à distância, de dia e de noite, e de fácil
identificação ao consumidor; e

II – adquirir, armazenar e comercializar somente combustível automotivo fornecido pelo
distribuidor do qual exiba a marca comercial.

§ 3º Caso no endereço eletrônico da ANP conste que o revendedor optou por não exibir
a marca comercial de um distribuidor de combustíveis líquidos, o revendedor varejista:

I – não poderá exibir marca comercial de distribuidor em suas instalações, devendo retirar
a(s) logomarca(s) e a identificação visual com a combinação de cores que caracterizam
distribuidor autorizado pela ANP;

II – não poderá exibir qualquer identificação visual que possa confundir ou induzir a erro o
consumidor quanto à marca comercial de distribuidor; e

III – deverá identificar, de forma destacada e de fácil visualização, em cada bomba
medidora, o nome fantasia, se houver, a razão social e o CNPJ do distribuidor fornecedor
do respectivo combustível automotivo.

§ 4º Se o posto revendedor exibir marca comercial de distribuidor em suas instalações, o
revendedor deverá adquirir, armazenar e comercializar somente combustível fornecido
pelo distribuidor do qual exiba a marca comercial, exceto nos casos previstos no inciso I do
art. 11. [1]

§ 5º Para efeito dos parágrafos 2º a 4º deste argo, devem ser consideradas como marcas
comerciais do distribuidor:

I – as marcas figuravas ou nominavas utilizadas para distinguir produto ou serviço de
outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa; e/ou

II – as cores e suas denominações, se dispostas ou combinadas de modo peculiar e
distintivo, ou caracteres que possam, claramente, confundir ou induzir a erro o
consumidor.(grifos nossos)

2.2. É simples perceber a distinção fundamental entre os postos bandeirados e os postos
bandeira branca. Enquanto os primeiros estão obrigados a adquirir o combustível exclusivamente da distribuidora da qual ostentam a marca, os postos bandeira branca podem comercializar combusteis de quaisquer distribuidoras, desde que estas sejam autorizadas pela ANP, devendo informar na bomba de combustíveis de qual distribuidora adquiriu o produto disponível para abastecimento por parte do consumidor.

2.3. Importante destacar que a restrição aplicada aos postos bandeirados não se aplica às
distribuidoras, que podem vender seus produtos tanto a revendedores que ostentam sua bandeira como a postos bandeira branca, com liberdade, inclusive, para estabelecer preços diferentes para os dois tipos de revendedores, nos termos dos contratos firmados entre as partes. Há duas restrições impostas aos distribuidores: a primeira é a proibição de vender combustível a posto revendedor bandeirado de outra marca; a segunda é a vedação à verticalização, ou seja, o distribuidor de combustíveis não pode participar do quadro de sócios de revendedor de combustíveis. Apesar disso, diversas análises sobre o setor falam
em verticalização de fato, em função da fidelidade à bandeira. Esse ponto será tratado mais adiante na presente nota técnica.

2.4. Também é importante destacar que a diferenciação entre postos bandeirados e postos
bandeira branca não se refere, de forma alguma, à qualidade dos produtos negociados. No Brasil, não há diferença quanto à qualidade do produto, no caso de combustíveis sem adivos (gasolina, etanol e diesel), devendo os postos bandeira branca e bandeirados seguirem a especificação estabelecida pela ANP. A Agência monitora, por meio do Programa de Monitoramento de Qualidade de Combustíveis Automotivos (PMQC), os índices de conformidade para postos bandeirados e postos bandeira branca. Há pouca diferença entre os dois grupos (96,8% para os postos bandeira branca, 98,2% para os bandeirados). Vale dizer que tais índices se encontram dentro de padrões internacionais de qualidade.

2.5. Em termos de estruturação de mercado, dados da ANP (SEI 8897626) informam que
havia 42.039 postos revendedores de combustíveis no Brasil em 2017, dos quais 42,5% eram bandeira branca e 57,5% eram bandeirados. Essa distribuição entre os dois grupos varia entre as regiões do país, sendo o menor percentual de postos bandeira branca encontrado na Região Sul (30%) e o maior na Região Nordeste (51,5%). Na maior parte das regiões, a BR Distribuidora detinha a maior fatia de mercado entre os postos bandeirados, excetuando-se a Região Sul, na qual a líder era a Ipiranga. Em termos nacionais, BR Distribuidora, Ipiranga e Raízen detinham conjuntamente cerca de 42% do número total de postos revendedores.

Recuperação de valores

2.6. Quanto aos produtos, cabe informar que, em relação aos combustíveis comuns, ou seja, não aditivados (óleo diesel B, gasolina C e etanol hidratado combustível), não há distinção entre uma marca e outra. Se estiverem dentro das especificações da ANP, não há qualquer diferença para o uso do consumidor. Essa homogeneidade faz com que a escolha do consumidor por determinada marca se dê em função de outros critérios, como reputação da marca, rede de postos revendedores mais numerosa e/ou mais próxima de sua residência ou local de trabalho, marketing de relacionamento (como, por exemplo, programas de fidelização), dentre outros.

3. TUTELA REGULATÓRIA DA FIDELIDADE À BANDEIRA

3.1. O que se chama de tutela regulatória da fidelidade à bandeira está vinculado ao papel de fiscalização, exercido pela ANP, no sendo de garantir que os revendedores bandeirados só adquiram combustível das distribuidoras às quais estão vinculados e as distribuidoras não comercializem combustíveis com os postos que exibam marca de outro distribuidor. O descumprimento dessas regras sujeita os agentes a aplicação de sanção pela Agência.

O fim da tutela regulatória de fidelidade à bandeira, portanto, significaria retirar a obrigação de fiscalização da ANP, deixando-a sob responsabilidade das empresas distribuidoras detentoras das marcas.

Assim, essas empresas, no âmbito exclusivo de suas relações privadas com os revendedores, passariam a fiscalizar os postos a elas vinculados, a fim de garantir a exclusividade de venda de combustíveis de sua marca.

3.2. Em relação à tutela regulatória da fidelidade à bandeira, cabe mencionar que nem a Lei nº 9.478/1997, que criou a ANP, nem a Lei nº 9.847/1999, que dispõe sobre as infrações às normas referentes ao abastecimento nacional de combustíveis, fazem qualquer referência à atuação da Agência em relação à fidelidade à marca por parte dos postos revendedores ou a punições aplicáveis a revendedores bandeirados em função de aquisição de combustíveis de determinado distribuidor. Assim, não há dispositivo legal referente à tutela regulatória da fidelidade à bandeira, mas apenas normas editadas pela própria ANP.

3.3. A tutela regulatória de fidelidade à bandeira está relacionada, sobretudo, ao disposto no argo 32 da Resolução ANP nº 58/2014 e no argo 25, parágrafos 2º e 4º da Resolução ANP nº 41/2013 (estes últimos já mencionados na presente nota técnica). Diz o argo 32 da Resolução ANP nº 58/2014:

Art. 32. É vedada a comercialização de combustíveis líquidos com revendedor varejista que
não esteja autorizado pela ANP ou que optou por exibir a marca comercial de outro
distribuidor, nos termos do art. 25 da Resolução ANP nº 41, de 5 de novembro de 2013, ou
outra que venha a substituí-la, conforme informações disponibilizadas no endereço
eletrônico www.anp.gov.br, exceto no caso previsto no § 1º deste argo.

3.4. Em função desses dispositivos normativos, atualmente a ANP fiscaliza a utilização da marca dos distribuidores pelos revendedores. Dessa fiscalização resulta que, além da responsabilidade por uso indevido da marca (quando for o caso), pela infração ao direito do consumidor (quando se configura) e da penalidade por descumprimento contratual, é possível ainda a configuração de infração administrava relacionada ao descumprimento da restrição de compra e venda entre distribuidores e revendedores vinculados à determinada marca.

3.5. Importante destacar que a discussão a respeito da tutela regulatória da fidelidade à
bandeira ganhou força em função de acontecimentos recentes, durante a chamada “greve dos caminhoneiros”. A crise de abastecimento que se abateu sobre o país levou à flexibilização da vinculação de marca para vendas de distribuidoras de combustíveis. Naquele momento, entendeu-se que a flexibilização do modelo ofereceria alternava de suprimento por distribuidores cujas bases não tinham sido afetadas pelos bloqueios impostos pelos grevistas. Em função de essa flexibilização ter obtido resultados positivos na regularização do abastecimento, surgiram questionamentos a respeito da pertinência da manutenção a tutela regulatória da fidelidade à bandeira.

4. TOMADA PÚBLICA DE CONTRIBUIÇÕES Nº 4/2018 E ANÁLISE DE IMPACTO REGULATÓRIO (AIR)

4.1. Em 19 de setembro de 2018, a Diretoria da ANP aprovou a Tomada Pública de
Contribuições nº 4/2018, com o objetivo de coletar dados, informações e evidências que contribuíssem para a análise da necessidade de se manter a tutela regulatória de fidelidade à bandeira, considerando no mínimo o seguintes aspectos:
a) defesa do consumidor;
b) fiscalização do setor público sobre o contrato privado entre distribuidores e
revendedores;
c) fiscalização pela ANP da utilização da marca;
d) responsabilidade solidária dos distribuidores sobre os postos bandeirados,
independentemente da existência de culpa;
e) experiência internacional em que somente combustíveis aditivados recebem a
proteção da marca, pois os demais são commodities;
f) possibilidade de introdução de maior competição entre os distribuidores com o fim
da tutela regulatória da fidelidade à bandeira.

4.2. A Tomada Pública de Contribuições nº 4/2018, realizada pela ANP, recebeu contribuições encaminhadas por 33 manifestantes, dentre distribuidores, revendedores, entidades representavas dos segmentos do setor de combustíveis, advogados e consultores das empresas e das entidades [2]. Também recebeu manifestações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), da Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria (SEFEL)e do Instituto Brasileiro de Defesa da Concorrência (Ibrac). Vale dizer que a Tomada Pública de Contribuições nº 4/2018 se deu nos parâmetros propostos
pelo Guia Orientativo para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório (AIR) da Presidência da República, o qual destaca a importância desse tipo de diálogo e de consulta a atores externos para a realização de uma AIR de qualidade, pois permite reduzir a assimetria de informações e aumentar a legitimidade das decisões tomadas.

4.3. A contribuição do CADE se deu por meio da Nota Técnica nº 36/2018/DEE/CADE
(SEI 8908432), merecendo destaque a ponderação de que a discussão acerca da tutela regulatória da fidelidade à bandeira permite a construção de diferentes cenários, em função de vários aspectos contratuais da relação entre distribuidores e revendedores, devendo ser tratada de forma abrangente. Em sua análise, o CADE apresentou cinco cenários possíveis, afirmando que cada um deles teria prós e contras a serem ponderados, por meio de análise de impacto regulatório. Também apresentou contribuições para cada um dos aspectos elencados na Tomada Pública de Contribuições nº 4/2018: defesa do consumidor; fiscalização do setor público sobre o contrato privado entre distribuidores e revendedores; fiscalização pela ANP da utilização da marca; responsabilidade solidária dos distribuidores
sobre os postos bandeirados, independentemente da existência de culpa; experiência internacional em que somente combustíveis aditivados recebem a proteção da marca, pois os demais são commodities; possibilidade de introdução de maior competição entre os distribuidores com o fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira.

4.4. A SEFEL, por sua vez, ponderou, de um lado, que a exclusividade poderia garantir ao
revendedor mais segurança no abastecimento e qualidade do combustível e maior visibilidade para venda, devido à diferenciação do produto, o que poderia influenciar a competitividade no segmento de revenda pela concorrência entre as distribuidoras. Por outro lado, como o uso da marca do distribuidor pelo revendedor impõe contratos de fidelidade, a livre movimentação dos revendedores seria limitada no
curto e no médio prazos. A Secretaria também argumentou que a tutela regulatória da fidelidade à bandeira poderia servir como fator de proteção ao consumidor contra a comercialização de combustível de origem desconhecida, tendo em vista a confiabilidade das marcas e a garantia de procedência do produto.

4.5. O Ibrac destacou a importância de analisar o setor com perspectiva abrangente, pois a
segmentação de temas poderia comprometer a busca de soluções para os problemas identificados. Também chamou atenção para a necessidade de realização de AIR antes da adoção de quaisquer medidas de natureza regulatória, em função da relevância e da complexidade das normas envolvidas e da infinidade de agentes afetados.

4.6. As contribuições recebidas de distribuidores, revendedores, entidades representavas dos segmentos do setor de combustíveis, advogados e consultores das empresas e das entidades foram polarizadas basicamente em dois grupos, a favor e contra o fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira. As manifestações favoráveis ao fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira se deram no sendo de que a ANP não mais restrinja, em suas normas regulatórias, a comercialização entre revendedores e distribuidores de marcas diversas, de modo que a infidelidade a bandeira, por si só, não seja mais punida como infração às normas do abastecimento nacional de combustíveis, mantendo-se o
foco principal de fiscalização da Agência na qualidade do produto oferecido ao consumidor final.

4.7. Nesse sendo, os principais argumentos apresentados foram os seguintes:
a) manter a obrigação da fidelidade á bandeira induz o consumidor a erro, pois ele
acredita estar adquirindo gasolina diferenciada pela marca da distribuidora, quando, na
verdade, está adquirindo gasolina da Perrobras ou importada, seja qual for a
distribuidora. Além disso, produtos de distribuidoras de marcas diferentes são muitas
vezes armazenados nos mesmos tanques;
b) gasolina comum, diesel comum e etanol são produtos iguais em todas as
distribuidoras. Independentemente da marca que ostentam, tais produtos são
commodities;
c) é incongruente que a agência reguladora de mercado de combustíveis fiscalize um
contrato celebrado entre particulares. Haverá economia de recursos públicos, pois a
ANP deixará de incorrer em custos de fiscalização de uma relação exclusivamente
privada;
d) a livre concorrência diminuirá o custo final ao consumidor em razão do aumento do
número de agentes na atividade.

4.8. De outro lado, as manifestações contrárias ao fim da tutela regulatória da fidelidade à
bandeira argumentaram o seguinte:

a) a mudança servirá apenas para estimular empresários mal-intencionados a atuar no
mercado de forma irregular, resultando no aumento da concorrência desleal e da
sonegação;

b) aumenta a vulnerabilidade do consumidor e prejudica o direito à informação, pois
quando um posto revendedor opta por exibir certa marca comercial, cria-se no
consumidor a legítima expectava quanto à procedência e confiabilidade daquele
combustível. Assim, caso seja possível ao revendedor comercializar combustíveis
provenientes de outras distribuidoras, diferentes daquela cuja marca é exibida, o
consumidor será induzido a erro;

c) a marca é o que garante a qualidade do produto para o consumidor;

d) a medida gera desigualdade de tratamento entre os revendedores, pois os que
possuem contratos em curso não poderão comercializar combustíveis de outras
distribuidoras, já que a cláusula de exclusividade é expressa em quase todos os
contratos. A medida também é prejudicial aos revendedores bandeira branca, que
atualmente têm sua competitividade no mercado garantida por praticarem preços
inferiores aos bandeirados;

e) se não há tutela regulatória por parte da ANP, todos ficam submetidos à morosidade
da justiça brasileira.

4.9. A partir dessas contribuições, a ANP identificou três alternavas possíveis de ação:

a) não regulação: a ANP deixaria de regular e fiscalizar o contrato de licenciamento da
marca entre as distribuidoras e os revendedores varejistas, permitindo novos arranjos
contratuais;

b) manutenção da regulação atual: a ANP imporia que os revendedores varejistas adquirissem combustíveis apenas da distribuidora cuja marca ostentam e ficaria vedada a comercialização de outras distribuidoras para revendedores bandeirados;

c) ampliação da regulação atual: a ANP manteria a obrigação atual para os revendedores varejistas e passaria a regular o contrato, permitindo que os
revendedores pudessem sair do contrato se houvesse abuso do poder econômico por parte da distribuidora.

4.10. Tendo essas alternavas como pano de fundo, a Agência realizou um processo de análise de impacto regulatório (AIR), cuja metodologia e características estão detalhadamente descritas na Nota Técnica do GT Portaria nº 357/2018 nº 001/2019 (SEI 8889960). A AIR buscou avaliar a necessidade ou não de se manter a tutela regulatória da fidelidade à bandeira, pois a restrição à liberdade das relações comerciais pela Agência poderia acarretar problemas de abastecimento e dificultar o surgimento de
novos arranjos comerciais que poderiam trazer maior competitividade ao setor.

4.11. A AIR indicou, dentre as três alternavas possíveis (não regulação, manutenção da
regulação atual e ampliação da regulação atual) que a melhor opção regulatória seria a não regulação,
pelos seguintes motivos:
a) as obrigações referentes ao controle de qualidade e especificação da gasolina C, óleo diesel B e etanol hidratado são as mesmas para todos os distribuidores, postos  bandeirados e postos bandeira branca, sem haver qualquer espécie de diferenciação;

b) a diferenciação entre os produtos ocorre apenas quando há sua aditivação;

c) a ANP monitora a qualidade dos combustíveis em postos bandeirados e postos
bandeira branca por meio do PMQC e os resultados do índice de conformidade, além de
não revelar diferença significava entre ambos, demonstram que o Brasil possui
índices de conformidade internacionais;

d) durante a greve dos caminhoneiros, a suspensão cautelar da fidelidade à bandeira
contribuiu para o abastecimento nacional de combustíveis.

4.12. A ANP solicitou, então, manifestação da SENACON a respeito do tema, no âmbito do
acordo de cooperação técnica firmado entre os dois órgãos.

5. ANÁLISE

5.1. A tutela regulatória da fidelidade à bandeira carrega consigo a justificativa de proteção do consumidor contra a comercialização de combustível de origem desconhecida por revendas que utilizem as marcas de penetração nacional, além de outras razões ligadas a confiabilidade da marca e da procedência do produto. Entretanto, como já mencionado, a diferenciação entre postos bandeirados e postos bandeira branca (que não ostentam marcas de distribuidores) não se refere, de forma alguma, à qualidade dos produtos negociados. No Brasil, não há diferença quanto à qualidade do produto, no caso de combustíveis sem adivos (óleo diesel B, gasolina C e etanol hidratado combustível), devendo os postos bandeira branca e bandeirados seguirem a especificação estabelecida pela ANP. Vale repetir: segundo análise da ANP, por meio do Programa de Monitoramento de Qualidade de Combustíveis Automotivos (PMQC), os índices de conformidade para postos bandeirados e postos bandeira branca é similar (96,8% para os postos bandeira branca, 98,2% para os bandeirados), estando os índices dos dois grupos dentro de padrões internacionais de qualidade.

5.2. Fundamental destacar que a proposta de encerrar a tutela regulatória da fidelidade à
bandeira em nada afeta a fiscalização da Agência em relação à qualidade dos produtos. A especificação para sua comercialização continuará existindo e sendo objeto de atuação da Agência e de órgãos de defesa do consumidor. A discussão trata, portanto, apenas de eliminar a fiscalização da ANP em relação à fidelidade à marca, uma interferência da agência reguladora em relações que poderiam acontecer no âmbito dos agentes privados. Importante ressaltar que não há justificava para a imposição de tal ônus ao setor público, uma vez que o exercício da tutela regulatória da fidelidade à bandeira não está associada à defesa do interesse público, mas sim de interesses exclusivamente privados.

5.3. Afirma-se que tal relação é essencialmente uma questão privada porque trata da
observância, por uma das partes (os revendedores), de cláusula contratual de exclusividade decorrente da escolhe pelo uso da marca da distribuidora. É razoável supor a exigência da exclusividade, uma vez que a distribuidora investe em sua marca para que seu produto seja mais valorizado. O que não parece ser razoável é a transferência do custo de fiscalização desses contratos para a Administração Pública, nem a existência de uma espécie de “certificação” regulatória dada pela observância da fidelidade à bandeira, como se tal “certificação” atestasse uma qualidade superior de produtos.

5.4. Além disso, há aspectos de natureza concorrencial que são prejudicados pela manutenção da tutela regulatória da fidelidade à bandeira. Nesse sendo, a Nota Técnica do GT Portaria nº 357/2018 nº 001/2019 (SEI 8889960) da ANP menciona manifestação do CADE na qual o órgão antitruste sugere a revisão da regra de fidelidade a bandeira por entender que tal regra detém potencial para fechamento de mercado a praticamente todas as pequenas distribuidoras, especialmente em função da participação de mercado das três grandes (BR, Ipiranga e Raízen).

5.5. Outro problema a se destacar da tutela regulatória da fidelidade da bandeira é que o
mecanismo pode não incentivar a eficiência da gestão dos contratos por parte da distribuidora. Como a ANP tem o papel de fiscalizar o cumprimento do acordo de exclusividade, parte do custo de gestão desse acordo é transferido também para a agência. Com a transferência de custos para a esfera pública, os ganhos de eficiência na gestão de contratos de exclusividade podem ter efeitos limitados na redução de despesas da distribuidora. Isso não incentiva a distribuidora a perseguir os referidos ganhos e ser mais
eficiente em gerir seus contratos. O contexto com menos incentivos à busca por eficiência econômica é também de menos incentivos à concorrência porque se diminuem as chances de surgir inovações, estratégias e outras iniciavas redutoras de custo que propiciam aumento de participação no mercado (market share) e movam os agentes a desenvolvê-las. Assim, a tutela regulatória da fidelidade à bandeira, ao transferir custos de gestão de contratos de exclusividade para o público, no caso a agência reguladora do setor, diminui incentivos à busca de ganhos de eficiência nessa gestão, o que arrefece a
concorrência no setor.

5.6. Vale dizer que o fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira não significa o fim dos contratos firmados entre distribuidores e revendedores de combustível que estipulam a exclusividade no fornecimento, mas simplesmente o fim da fiscalização de tais contratos pela agência reguladora do setor. Assim, os contratos de bandeiramento em vigor, que em sua maioria estipulam exclusividade no fornecimento de combustível, por uma distribuidora, aos postos que ostentam sua marca, não serão alterados. Caberá, entretanto, às distribuidoras a responsabilidade pela gestão de tais contratos.

5.7. Tratada sob o ponto de vista de defesa do consumidor, a questão do fim da tutela
regulatória da fidelidade à bandeira tem como aspecto principal o direito à informação, nos termos do artigo 6º, inciso III, da Lei nº 8.078/90. Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(…)
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos
incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

5.8. Inicialmente porque, como já afirmado nesta nota técnica, não há diferença significava de qualidade entre o combustível comercializado por postos bandeirados e por postos bandeira branca. Apesar disso, a escolha do consumidor por um revendedor bandeirado está condicionada pela percepção de que os produtos ali comercializados apresentam maior confiabilidade, justamente por haver a atuação de uma grande empresa, cuja marca é reconhecida. Essa percepção não considera a similaridade de qualidade já mencionada, nem o fato de que as distribuidoras não são, de fato, proprietárias dos postos revendedores, em função da vedação normativa à verticalização no setor de
combustíveis. Esse é, portanto, um primeiro aspecto quer deve ser objeto de esclarecimento ao consumidor, pela agência reguladora, pelas empresas do setor e também pelos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor: não há diferenciação de produtos, em função da marca, para combustíveis não aditivados (óleo diesel B, gasolina C e etanol hidratado combustível). Se estiverem dentro das especificações da ANP, não há qualquer diferença para o uso do consumidor. Esse ponto é importante, pois indicaria ao consumidor que não existe razão para diferenças significavas de preço na comercialização desses produtos em função da marca.

5.9. Além disso, uma vez que a escolha pelo abastecimento é influenciada não só pelo preço do produto, mas também pela marca ostentada pelo revendedor, o fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira traz à tona a discussão acerca de como garantir que o consumidor possa ter clareza a respeito de qual o fornecedor do produto adquirido. Nesse sendo, é possível considerar dois cenários: i) fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira e manutenção da exclusividade de fornecimento de combustíveis pelas distribuidoras aos seus postos bandeirados e ii) fim da tutela regulatória da fidelidade
à bandeira e fim da exclusividade de fornecimento de combustíveis pelas distribuidoras aos seus postos bandeirados.

5.10. No primeiro cenário, com o fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira e com a
manutenção da exclusividade de fornecimento de combustíveis pelas distribuidoras aos seus postos bandeirados, gera-se a obrigação, para as distribuidoras, de fiscalizarem sua rede de postos, de modo a garantir que:

a) os postos bandeirados efetivamente só vendam combustível fornecido pela
distribuidora da qual ostentam a marca; ou

b) o consumidor seja devidamente informado se houver a venda, por um posto
bandeirado, de combustível fornecido por outra empresa, mantendo-se a
responsabilização solidária entre distribuidora e revendedor acerca da qualidade do
combustível vendido e sem prejuízo para as medidas que a distribuidora vier a tomar
contra o revendedor em função do descumprimento da obrigação contratual de
exclusividade.

5.11. Se, por outro lado, com o fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira houver a
flexibilização da exclusividade do fornecimento – abrindo-se a possibilidade de um revendedor de combustíveis que ostenta a marca de uma distribuidora comercializar produtos de outra marca – é preciso que sejam adotadas medidas para garantir a clareza dessa nova situação para o consumidor: por exemplo, bombas de cor diferente, letreiros que identificassem facilmente o fornecedor do produto etc. Neste caso, a obrigação de informar corretamente o consumidor caberia aos revendedores, uma vez que seria destes últimos a opção por comercializar produtos de fornecedor diferente daquele cuja marca
ostentam.

5.12. Seja qual for a situação, vale lembrar as disposições do CDC sobre o assunto, que versam sobre a oferta e a publicidade enganosa:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer
forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o
contrato que vier a ser celebrado. Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

(…) Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características,
qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre
produtos e serviços.

(…)§ 3º Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

(…)Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a
natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade,
preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena – Detenção de três meses a um ano e multa.
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
§ 2º Se o crime é culposo;
Pena. Detenção de um a seis meses ou multa.

Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou
abusiva:Pena Detenção de três meses a um ano e multa.

5.13. Com a adoção das medidas comentadas, que buscam informar amplamente os
consumidores a respeito do fornecedor do produto adquirido, evitando-se quaisquer enganos em relação à marca do fornecedor que possam confundir o consumidor em suas escolhas, acredita-se não haver impedimentos no âmbito consumerista ao fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira.

5.14. Por outro lado, o fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira imporia às
distribuidoras a obrigação de fiscalizarem ativamente o cumprimento das cláusulas de exclusividade presentes em seus contratos. Essa atribuição levaria às distribuidoras a buscarem mecanismos eficientes para tal fiscalização, que podem passar pela revisão de seus processos de bandeiramento, pela otimização de sua rede de postos bandeirados, pelo investimento em tecnologia e em processos que reduzam os custos de tal operação. Ao internalizarem os custos de fiscalização, as distribuidoras seriam induzidas a buscarem soluções gerenciais para a questão, com prováveis ganhos de eficiência em
logística e na concorrência entre elas.

6. CONCLUSÃO

6.1. Pelo exposto, entende-se ser um aprimoramento regulatório o fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira, medida que tem a potencialidade de aprimorar as relações comerciais entre distribuidores e revendedores de combustíveis, com impactos prováveis no aprimoramento da gestão dos contratos firmados ente eles e surgimento de incentivos à busca por eficiência econômica e por maior concorrência no setor.

6.2. Desse modo, com as ressalvas acima sobre direitos do consumidor previstos no CDC (direito à informação e proteção contra publicidade enganosa) não se vislumbra qualquer prejuízo aos interesses do consumidor, máxime considerando que o aumento da concorrência pode estimular preços mais baixos sem prejuízo a qualidade do combustível, que permanecerá fiscalizada pela ANP.

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